Não sei se é por ser Páscoa e
ser um período de introspecção e paz, se é por gostar muito da minha cara-metade,
mas a verdade é que há já muito tempo que deixei de celebrar os golos do
Fêquêpê contra o Benfica. Com o propósito de conter uma alegria exacerbada,
abri o computador e comecei a escrever.
Faltam 30 minutos para o jogo da meia-final da Taça de Portugal terminar
e o resultado está 0-0. Cumprindo os votos que trocámos no dia em que nos tornámos
Um-Só, achei que não só na alegria como também na tristeza deveria estar ao
lado dele, neste caso concreto, à sua frente, a apoiá-lo. E bem que precisa de um
amparo, já que decidiu assistir ao jogo num restaurante cheio de portistas, que
de 2 em 2 minutos grita “é golo, é golo”, ainda que a bola vá no meio campo do
Porto. Mas o espírito vencedor que se instalou em todos os portistas por estas
alturas não fica por aqui. Mulheres de maquilhagem televisiva roem as suas unhas de gel e não olham a meios para encher a boca toda no momento de ofender a equipa adversária. O mesmo indivíduo que berra “é penalty”, sem que
ninguém tenha marcado falta e com a bola ainda no meio campo, não se cansa de
chamar “assassiiiiiiino” sempre que algum jogador da sua equipa de eleição
sofre uma falta – e garanto que chega a um ponto em que, alguém como eu que
está debruçada num computador minúsculo e vai olhando de soslaio para o grande
ecrã do restaurante, mais parece estar numa batalha campal do que numa pizzaria
onde as famílias costumam ir almoçar ao Domingo. São inacreditáveis as reacções
a que se conseguem assistir quando observamos estas pessoas como se
estivéssemos do outro lado do vidro.
O maridão, coitadito, não se
manifesta. Combate os nervos como pode. Disfarça a desilusão como consegue. E
no meio da selvajaria, que entretanto se instalou neste espaço, acho que já se
deve ter arrependido uma série de vezes de ter resolvido assistir a mais uma
derrota do glorioso no seio de tantos dragões. E os seus olhos, mais do que
tudo o resto, denunciam a sua tristeza.
As blasfémias sucedem-se.
Expressões nunca antes ouvidas ferem os meus ouvidos azuis (imagine-se o mal
que isso deve fazer aos dele). Acho que a frase da noite, para além de todos os
palavrões que se possa imaginar, foi “chupa, cão”, repetida vezes sem conta.
Chupa, cão? Mas o que é isso, Senhor? Todas as faltas dão direito a cartão
vermelho. Todos os remates conduzem à concretização, e valha-nos Deus se o
árbitro pensasse como eles! O mais caricato é que estamos a falar de pessoas de
um nível social, aparentemente, privilegiado que, ainda antes do jogo, falavam
de estratégias financeiras e de benchmarking, e que num instante despiram os
seus fatos de executivos bem sucedidos e assertivos e vestiram a pele de
verdadeiros bichos, quase rasgaram as cordas vocais de tanto gritar e
conseguiram contagiar toda a sala com este espírito grosseiro e rude - sinal
verde para aqueles que, com o seu típico sotaque tripeiro, se estavam a conter
para não libertarem tudo o que era costume dizerem em outros locais menos
selectos e mais… arejados! Foram precisos somente breves segundos para que toda a gente
da sala, excluindo a minha metade boa, uma discreta amiga do grupo animalesco e
eu, desatasse a lançar “piropos” indecorosos ao árbitro, a saltar em cada
momento de tensão do jogo, a trocar cachecóis, a abraçar-se, a partir copos
com os gestos bruscos, a dançar e a celebrar os golos aos pinchos e aos
berros.
Fica para a história da noite a celebração
dos golos do Porto, no modo repeat como é habitual após a conclusão do jogo,
como se fosse a primeira vez que estivessem a ver a jogada, como se o porto não
tivesse ganho e como se disso dependessem as suas vidas. Fica para a memória
também a frase que ouvi agora na mesa do lado, proferida ao empregado de mesa,
chamado pelo cliente: Por favor, desligue a luz porque estamos habituados a
celebrar às escuras.
Fim de jogo. Resultado: 3-1 para
o Fêquêpê. A fera acalmou e voltou o sossego. Regressaram também as conversas
racionais, os vocábulos amadurecidos e os assuntos que nos transportam
imediatamente para a realidade que estávamos a viver ainda antes de ser dado o
apito para o início da partida: “80 mil milhões de euros”, “A catástrofe
instalada no país”, o “FMI” e a “banca nacional”.
Em todo o caso, "vamos lá cambada" tomar as devidas precauções para ver se não ficamos como o belo exemplo que se segue:
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os meus parabéns! descreveu muito bem o uso e costume de qualquer portista que se preze (eu não com certeza) ... só pecou na ilustraçããoo, carago! ... devia estar de AZUL !
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