Finalmente chegou a Páscoa. Se eu
mandasse, esta festa nunca iria surgir tão tardiamente no calendário, porque
não faz sentido absolutamente nenhum vir o cabritinho assado e as amêndoas (ai,
as amêndoas!) ao mesmo tempo que uma pessoa anda a fazer malabarismos para
emagrecer uns quilinhos, dada a proximidade ao período da praia, de casórios, de
comunhões, de baptizados e outros que tais, em que se exige um elevado nível de
exposição corporal. É completamente impossível a compatibilização de 1,2Kg de
maçã cozida, três dias por semana, com o folar e os ovos de chocolate. Muito má
ideia a destes senhores, que criaram estes calendários que ninguém é capaz de
compreender e de prever, devido à sua fórmula matemática praticamente
indecifrável aos olhos do comum mortal. Com todo o respeito, mas… Tss, Tss, Tss
(tentativa de simulação de estalidos de desilusão conseguidos por efeitos de
sucção da língua no céu da boca).
http://mulhertrinta.blogspot.com/2011/04/feliz-pascoa.html |
A minha Páscoa tem vários
momentos: quatro, para ser mais precisa, todos eles recheados de instantes
“apetitosos”, capazes de despertar o apetite a moribundos e anorécticos.
De há uns anos para cá, sem saber muito bem o motivo, resolvi, juntamente com alguns dos meus amigos, respeitar, com todo o rigor gastronómico que o acontecimento religioso exige, a 6ª Feira Santa. Nada de bifes; nada de carne assada; alheiras, nem vê-as; e carnes de caça, muito menos! Assim, sorrimos orgulhosamente para o empregado enquanto proferimos palavras que anunciam um jejum religioso, uma contenção alimentar e um extremoso respeito pelas tradições da quaresma “é um arrozinho de marisco, por favor, duas sapateiras para a entrada e, já agora, 1,5 kg de amêijoas “à bolhão pato” com aquele pãozinho de alho quentinho que vocês têm”. Muito bem! Aos poucos e poucos vamos assim angariando uma parcela de terreno (in)fértil no Céu.
No Sábado, é dia de Sogros.
Franguinhos das Medas ao almoço, a 130 Km de casa, que nos fazem chorar, berrar
e espernear por mais, porque são simplesmente os melhores mini-frangos assados
que já tive a oportunidade de experimentar em toda a minha vasta vida de
provadora de churrasco. Isso e a canjinha de galinha, que inicia o momento
divino da degustação. Juntos impedem toda e qualquer tentativa de manter
intervalos regulares de três horas entre refeições ligeiras, porque não há
estômago que aguente outra refeição em tão curto espaço de tempo. E, após uma
visita à capital distrital da região (mais 80 km de passeio de automóvel, para
“fazer a digestão”), lá saltamos para a refeição soberana do dia. Antecipando o
almoço do dia de Páscoa para o Jantar de Sábado Aleluia, o banquete consuma as elevadas
expectativas criadas em relação à qualidade do soberbo repasto, desabotoa o botão
das minhas calças e abre o frasco dos sais digestivos. Mais uma dúzia de
amêndoas para adoçar a conversa que rompe a madrugada e, ainda com o caprino às
voltas com os sucos estomacais, rendemo-nos à moleza provocada pela barriga
cheia e vamos dormir.
No dia de beijar a cruz, a
alvorada é apressada e, por vezes, dolorosa. Ainda com a boca a parecer papel
cavalinho, e a imitar a manhã do dia de Natal, de uma só golada bebemos 1 copo
de coca-cola para desobstruir as vias digestivas, abrindo, desta feita, espaço
para o novo carregamento que se aproxima. Vestimos uma roupita, com sorte, a
estrear, e voamos rumo aos meus avós maternos, numa viagem de 200km. Sem deixar
descansar as pupilas gustativas, as glândulas salivares entram novamente em
funcionamento, desta vez na sua máxima potência, porque vem aí o anho assado
(borrego para os menos acostumados com estes termos mais rurais). Tenho que
fazer um esforço gigantesco para me abstrair da ideia de que o petisco que jaz
no meu prato, velado pelas batatas, pelo arroz e pelos grelos, andava há poucos
dias completamente desorientado pela cozinha à procura da minha avó para
receber o biberão de leite, soltando impacientes e ensurdecedores méeeees e pinchos de força
descontrolada. Acaba o borrego, mas não acabam os repastos. A tradição manda ir
a casa das pessoas afagar Cristo Ressuscitado com um beijo nos seus pés, exaltar
“Aleluia, Aleluia” e sorver de uma assentada só, porque se faz tarde e o
compasso não espera, mais uma fatia de pão-de-ló de Ovar e um copito de vinho
fino. Graças ao Senhor que sou abstémia, ou seria uma fortíssima candidata a perder
tantas e tão boas memórias das Páscoas da minha infância. A recordação mais
forte que tenho é a regueifa circular – tradicionalmente era com este pão que
os padrinhos presenteavam os afilhados e que, se a sua idade e perímetro
cefálico permitissem, era enfiada cabeça abaixo. Seguiam-se momentos de
verdadeiro terror para a criança, que durariam até que os adultos se enchessem
de tirar fotografias com a criança a chorar inconsolavelmente sobre o alimento.
Lembro-me também de vestir roupa nova neste dia, colecção Primavera/Verão, e de
exibir, quando a Páscoa calhava numa época dita normal (Março), carregada de
vaidade, os pêlos eriçados pelo frio e a pele molhada pela chuva, porque o
casaco tapava a minha t-shirt nova! Bons tempos!
O quarto momento da minha Páscoa
é quando ainda nos restam forças para mais 100 Km de viagem e vamos a casa do
afilhado da minha metade boa. E para não baixar a média, mais bolos, mais
bebidas, mais pecados gastronómicos que atingem o meu plano alimentar como
balas deixando-o fragilizado e mortificado.
Resultado final: 600 e tal kilómetros de viagens automobilísticas, muitos beijos em crucifixos metálicos cheios de "micrómios" (como diz o meu afilhado), algum mal-estar digestivo e uma dieta de 5 semanas que irá recomeçar do zero (ou de um valor ainda mais negativo). O que vale são as barrigadas de riso, os banquetes de conversa e todas as recordações que se criaram e que se acrescentam às dos anos anteriores, que são apenas o que interessa conservar num lugar bem guardado no nosso coração e na nossa memória.
NOTA: O cartoon aqui apresentado é da autoria da ilustradora Cibele Santos, pelo que deixo aqui a recomendação para visualizarem o blog dela, porque está, simplesmente, DEMAIS!!! Não só apenas as mulheres, como também muitos homens, compreenderão cada letra e traço que ela publica.
Este ano a coisa aumentou para 800 e tal km...
ResponderEliminarMuito bom, Filipa! Este ano, infelizmente, não tive direito a Páscoa, mas compreendo perfeitamente a tortura por que te obrigam a passar neste período. Tens a minha solidariedade na dieta das maçãs! LOL! Beijinhos
ResponderEliminarConcordo: vamos mandar um mail às altas instâncias lá dos céus a pedir para Cristo ressuscitar mais cedo, usando as nossas dietas como argumento :)
ResponderEliminarTentar não custa, pode ser que aceitem ;)
Concordo: vamos mandar um mail às altas instâncias lá dos céus a pedir para Cristo ressuscitar mais cedo, usando as nossas dietas como argumento :)
ResponderEliminarTentar não custa, pode ser que aceitem ;)