segunda-feira, 18 de abril de 2011

Cristo Ressuscitou, Aleluia, Aleluia!

Finalmente chegou a Páscoa. Se eu mandasse, esta festa nunca iria surgir tão tardiamente no calendário, porque não faz sentido absolutamente nenhum vir o cabritinho assado e as amêndoas (ai, as amêndoas!) ao mesmo tempo que uma pessoa anda a fazer malabarismos para emagrecer uns quilinhos, dada a proximidade ao período da praia, de casórios, de comunhões, de baptizados e outros que tais, em que se exige um elevado nível de exposição corporal. É completamente impossível a compatibilização de 1,2Kg de maçã cozida, três dias por semana, com o folar e os ovos de chocolate. Muito má ideia a destes senhores, que criaram estes calendários que ninguém é capaz de compreender e de prever, devido à sua fórmula matemática praticamente indecifrável aos olhos do comum mortal. Com todo o respeito, mas… Tss, Tss, Tss (tentativa de simulação de estalidos de desilusão conseguidos por efeitos de sucção da língua no céu da boca).
http://mulhertrinta.blogspot.com/2011/04/feliz-pascoa.html

A minha Páscoa tem vários momentos: quatro, para ser mais precisa, todos eles recheados de instantes “apetitosos”, capazes de despertar o apetite a moribundos e anorécticos.

De há uns anos para cá, sem saber muito bem o motivo, resolvi, juntamente com alguns dos meus amigos, respeitar, com todo o rigor gastronómico que o acontecimento religioso exige, a 6ª Feira Santa. Nada de bifes; nada de carne assada; alheiras, nem vê-as; e carnes de caça, muito menos! Assim, sorrimos orgulhosamente para o empregado enquanto proferimos palavras que anunciam um jejum religioso, uma contenção alimentar e um extremoso respeito pelas tradições da quaresma “é um arrozinho de marisco, por favor, duas sapateiras para a entrada e, já agora, 1,5 kg de amêijoas “à bolhão pato” com aquele pãozinho de alho quentinho que vocês têm”. Muito bem! Aos poucos e poucos vamos assim angariando uma parcela de terreno (in)fértil no Céu.

No Sábado, é dia de Sogros. Franguinhos das Medas ao almoço, a 130 Km de casa, que nos fazem chorar, berrar e espernear por mais, porque são simplesmente os melhores mini-frangos assados que já tive a oportunidade de experimentar em toda a minha vasta vida de provadora de churrasco. Isso e a canjinha de galinha, que inicia o momento divino da degustação. Juntos impedem toda e qualquer tentativa de manter intervalos regulares de três horas entre refeições ligeiras, porque não há estômago que aguente outra refeição em tão curto espaço de tempo. E, após uma visita à capital distrital da região (mais 80 km de passeio de automóvel, para “fazer a digestão”), lá saltamos para a refeição soberana do dia. Antecipando o almoço do dia de Páscoa para o Jantar de Sábado Aleluia, o banquete consuma as elevadas expectativas criadas em relação à qualidade do soberbo repasto, desabotoa o botão das minhas calças e abre o frasco dos sais digestivos. Mais uma dúzia de amêndoas para adoçar a conversa que rompe a madrugada e, ainda com o caprino às voltas com os sucos estomacais, rendemo-nos à moleza provocada pela barriga cheia e vamos dormir.

No dia de beijar a cruz, a alvorada é apressada e, por vezes, dolorosa. Ainda com a boca a parecer papel cavalinho, e a imitar a manhã do dia de Natal, de uma só golada bebemos 1 copo de coca-cola para desobstruir as vias digestivas, abrindo, desta feita, espaço para o novo carregamento que se aproxima. Vestimos uma roupita, com sorte, a estrear, e voamos rumo aos meus avós maternos, numa viagem de 200km. Sem deixar descansar as pupilas gustativas, as glândulas salivares entram novamente em funcionamento, desta vez na sua máxima potência, porque vem aí o anho assado (borrego para os menos acostumados com estes termos mais rurais). Tenho que fazer um esforço gigantesco para me abstrair da ideia de que o petisco que jaz no meu prato, velado pelas batatas, pelo arroz e pelos grelos, andava há poucos dias completamente desorientado pela cozinha à procura da minha avó para receber o biberão de leite, soltando impacientes e ensurdecedores méeeees e pinchos de força descontrolada. Acaba o borrego, mas não acabam os repastos. A tradição manda ir a casa das pessoas afagar Cristo Ressuscitado com um beijo nos seus pés, exaltar “Aleluia, Aleluia” e sorver de uma assentada só, porque se faz tarde e o compasso não espera, mais uma fatia de pão-de-ló de Ovar e um copito de vinho fino. Graças ao Senhor que sou abstémia, ou seria uma fortíssima candidata a perder tantas e tão boas memórias das Páscoas da minha infância. A recordação mais forte que tenho é a regueifa circular – tradicionalmente era com este pão que os padrinhos presenteavam os afilhados e que, se a sua idade e perímetro cefálico permitissem, era enfiada cabeça abaixo. Seguiam-se momentos de verdadeiro terror para a criança, que durariam até que os adultos se enchessem de tirar fotografias com a criança a chorar inconsolavelmente sobre o alimento. Lembro-me também de vestir roupa nova neste dia, colecção Primavera/Verão, e de exibir, quando a Páscoa calhava numa época dita normal (Março), carregada de vaidade, os pêlos eriçados pelo frio e a pele molhada pela chuva, porque o casaco tapava a minha t-shirt nova! Bons tempos!

O quarto momento da minha Páscoa é quando ainda nos restam forças para mais 100 Km de viagem e vamos a casa do afilhado da minha metade boa. E para não baixar a média, mais bolos, mais bebidas, mais pecados gastronómicos que atingem o meu plano alimentar como balas deixando-o fragilizado e mortificado.

Resultado final: 600 e tal kilómetros de viagens automobilísticas, muitos beijos em crucifixos metálicos cheios de "micrómios" (como diz o meu afilhado), algum mal-estar digestivo e uma dieta de 5 semanas que irá recomeçar do zero (ou de um valor ainda mais negativo). O que vale são as barrigadas de riso, os banquetes de conversa e todas as recordações que se criaram e que se acrescentam às dos anos anteriores, que são apenas o que interessa conservar num lugar bem guardado no nosso coração e na nossa memória.

NOTA: O cartoon aqui apresentado é da autoria da ilustradora Cibele Santos, pelo que deixo aqui a recomendação para visualizarem o blog dela, porque está, simplesmente, DEMAIS!!! Não só apenas as mulheres, como também muitos homens, compreenderão cada letra e traço que ela publica.

4 comentários:

  1. Este ano a coisa aumentou para 800 e tal km...

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  2. Muito bom, Filipa! Este ano, infelizmente, não tive direito a Páscoa, mas compreendo perfeitamente a tortura por que te obrigam a passar neste período. Tens a minha solidariedade na dieta das maçãs! LOL! Beijinhos

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  3. Concordo: vamos mandar um mail às altas instâncias lá dos céus a pedir para Cristo ressuscitar mais cedo, usando as nossas dietas como argumento :)
    Tentar não custa, pode ser que aceitem ;)

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  4. Concordo: vamos mandar um mail às altas instâncias lá dos céus a pedir para Cristo ressuscitar mais cedo, usando as nossas dietas como argumento :)
    Tentar não custa, pode ser que aceitem ;)

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