Com estas mãos deu-me o primeiro banho "a sério", numa bacia vermelha, no chão de madeira da cozinha da aldeia…
Com estas
mãos agarrava as minhas para me levar consigo para todo o lado, enquanto me exibia com orgulho…
Com estas
mãos pegava nos novos pintaínhos para mos colocar nas minhas…
Com estas
mãos ensinou-me a lavar a roupa no tanque grande, quando o que eu queria era
tomar lá banho, o que acabava por acontecer mesmo que não entrasse na água…
Com estas
mãos fez comigo “rissóis para os cães” durante horas, junto à lareira…
Com estas
mãos segurava-me sempre que queria trepar pelas suas pernas, com medo das
abelhas, que, na maior parte das vezes, não passavam de grãos de pó no ar…
Com estas
mãos apanhava-me morangos e com eles fazíamos o nosso lanche preferido, infinitas
vezes…
Com estas
mãos ensinou-me a amassar o pão preto e a marcar uma cruz quando estava pronto a levedar…
Com estas mãos abria os bombons de cereja que eu detestava, mas que me dava tanto gozo vê-la comê-los...
Com estas
mãos limpou as minhas lágrimas quando apareci depois de eu me perder no monte…
Com estas
mãos afagava-me o cabelo, vezes sem conta, cópia do seu…
Com estas mãos
preparava-me a melhor cevada do mundo…
Com estas
mãos punha-me a “sua” pomada milagrosa que me curava, mesmo quando essa não era a
sua aplicação medicinal…
Com estas
mãos tentou ensinar-me a usar uma enxada, pacientemente, mesmo sabendo que eu não
ia conseguir fazer outra coisa a não ser estragar o seu trabalho…
Com estas
mãos cobria-me com as 7 cobertas e cobertores nas noites frias que passava lá
em casa…
Com estas
mãos usava a máquina de costura só porque sabia a satisfação que eu tinha em
ouvi-la “cantar”…
Com estas mãos ensinou-me a descascar feijão, sentadas na eira, a contemplar a frescura do final da tarde e a paisagem da margem do outro lado do rio...
Com estas
mãos enxotava as moscas enquanto fazíamos a sesta, mesmo sem abrir os olhos...
Com estas
mãos rezamos juntas na igreja onde me baptizou…
Com estas
mãos apanhava flores para me fazer colares…
Com estas mãos segurava a minha cara enquanto me chamava "D. Filipa de Lencastre" e me cobria de beijos...
Com estas mãos pegava nas minhas com a maior das ternuras, sempre que conversava comigo…
E agora? Agora as suas mãos já não me vão tocar, nem abraçar, nem acarinhar. As saudades são arrebatadoras e a dor insuportável, é certo. Mas sinto o seu sangue a correr nas minhas veias, o seu calor no meu coração e a sua voz na minha cabeça...
Já não sinto o toque áspero e meigo das suas mãos, talhadas por uma vida de trabalho e dedicação à família - ai que saudades deste toque quente! Mas as memórias são tantas e tão boas que não vou conseguir esquecer este doce contacto que fazíamos questão de estabelecer a toda a hora... a todo o momento... até à ultima vez que a vi! E da mesma forma que o sol, o frio e o vento plantaram marcas na pele das suas mãos, também elas e o seu toque ajudaram a tornar-me naquilo que sou hoje...
E o que mais importa, agora, é que, apesar de já não estar no meio de nós, a sua dimensão humana era tão grande e o seu trabalho foi tão bem feito durante estes anos todos, que parte de si continua e continuará bem viva dentro de cada uma das sementes que cá deixou!
Obrigada por TUDO!
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