sábado, 12 de janeiro de 2013

Cantigas de Maldizer



Quando comecei a escrever esta publicação, pensei intitulá-la de outra forma: "Maledicência - O novo ópio do Povo". Mas depois, além de o considerar demasiado longo, tive um flash dos meus tempos de liceu e deste género literário, trazido até mim por uma professora de minúscula aparência, mas com uma presença dantescamente aterrorizadora, que me fez agradecer ter escolhido o ramo das Ciências! E depois percebi que assentava que nem uma luva no assunto que hoje trazia.

Tudo isto surgiu com os mexericos que as redes sociais e os blogues nos presenteiam numa salva de latão, sendo que tenho delirado com o último, acerca de uma polémica campanha de uma conhecida marca de aparelhos eléctricos e da eventual futilidade do seu conteúdo. Não vou aqui fazer qualquer menção ao nome deste autor nem dos seus protagonistas porque já bastam as notícias, os facebooks e as dezenas de blogues a atacá-los de forma tão deliberada, directa e devastadora. Confesso que o alvo de tanto escândalo é uma personagem que me faz alguma comichão, que parece ter sofrido um AVC que lhe paralisou metade da boca e do cérebro. É certo! Mas também não vejo relevância suficiente no caso para que se esteja a transformar num avassalador cataclismo, capaz de fazer correr tanta tinta e de gerar tanta guerra e tanto sangue. À conta disso, tenho-me divertido a assistir na primeira fila a este conflito, não resistido, contudo, a lançar uma ou outra acha na fogueira, porque ninguém é de ferro, muito menos eu! No canto direito do ringue temos a gente de moral cândida, que deseja a morte a uma miúda por quem, lá no fundinho, nutrem um secreto ciúme. No outro, temos as pessoas que a colocam num pedestal por ser fiel a si mesma e ao seu consumismo desenquadrado da conjuntura. O mais engraçado é que muitos dos “críticos” se limitam a seguir e a empolar os discursos exemplares de opinion makers conceituados da nossa praça, como carneirinhos amestrados que mudam de rumo sempre que um pastor grita mais alto. Quando vamos ver, já se esqueceram do tema fulcral que tinha originado a discussão e acabam por se engalfinhar uns com os outros e com quem lançou o tema! Conclusão: às tantas, aqueles que criticam a falta de humildade da pobre rapariga a quem deu a trombose, são os que imediatamente a seguir vão pôr meia dúzia de "Likes" nas páginas das gigantes marcas, sonhando publicamente com um exemplar; ou então, os que defendem e aplaudem a honestidade de uma fashion victim, que até quer poupar uns milharzitos de euros para adquirir um ícone de moda, são os que, no dia seguinte, na hora do patrão, vão para a copa tomar café e cuspir comentários indecorosos sobre o novo carro do administrador, mesmo que nunca tenha havido atraso no pagamento do ordenado. Às vezes  parece que essas pessoas foram calcadas no dedo mindinho do pé duas vezes seguidas e tiveram de andar o dia todo a calçar sapatos apertados, antes de escreverem certas coisas!



Mas a coisa não fica por aqui. Diariamente encontro vários "treinadores de bancada" cujos comentários que deixam nas redes sociais, sejam sobre política, sobre moda ou sobre a vizinha do 3º esquerdo, são sistematicamente negativos! Se o Estado Português catapultou a dívida pública para os 120 e tal por cento do PIB porque pediu ajuda externa, ESFOLA! Se o governo decide vender empresas públicas, cujos únicos frutos são resultados supernegativos e dores de cabeça, MATA! Se a vizinha leva pancada do marido todos os dias, é porque não é mulher de fibra. Mas se há um dia em que levanta mais o tom de voz, é porque o companheiro é um “manso”! Haja coerência, meus senhores! O que interessa é criticar gratuitamente, porque alguém lhes disse um dia que isso lhes iria conferir um certo estatuto pseudo-intelectual e que iria estimular a libertação de feromonas ao sexo oposto!

Mas onde é que eu ia? Ah, sim! Nas "Cantigas de Maldizer"! Pelo que me recordo dos tempos do secundário, o que diferenciava estas obras era precisamente a maledicência dura, crua e inequivocamente direccionada para o alvo que se pretendia atingir, assim como o recurso ao discurso grave, agressivo e por vezes obsceno, recorrendo aos boatos que circulavam pela corte . E não é que bate certinho com o que se passa agora? Qualquer um, escudado por um monitor de computador (qual vidro à prova de bala), consegue proferir corajosamente as maiores atrocidades sobre tudo e sobre todos, mesmo que estejamos a falar sobre o resultado do jogo solteiros contra casados. Parece que, de repente, toda a gente passou a ter uma opinião válida, intangível e de verdade absoluta! Tornam os seus comentários públicos, põe-se a jeito de serem, por sua vez, ridicularizados e criticados e depois, ofendidos, vêm dizer que se não concordam, não frequentem nem desconstruam aquele espaço de suposto debate de ideias. A sério?!

Perspectiva positiva: será que com a produção desmensurada de verdadeiras obras de "Cantigas de Mal-Dizer" a que temos assistido, estaremos perante um neomedievalismo herdado pelos tempos modernos para tentar compreender e (des)embelezar o caos em que nos encontramos?

E, se parece que com isto acabo de dar um tiro nos pés por estar, eu própria, a tecer duras críticas e por estar a recriminar a liberdade de expressão, desenganem-se! O apelo que aqui faço é ao bom senso e ao equilíbrio entre o criticar, o aplaudir e o ter dois dedinhos de testa para saber quando ficar calado e quieto! Alguém disse uma vez qualquer coisa do género "Mais vale estar calado e parecer um tolo, do que dizer uma palavra e confirmar as suspeitas". Sou a favor da crítica e da indignação, mas se destas não advier absolutamente nada de construtivo, pedagógico ou inovador então onde está o seu propósito? E se vivemos tempos de austeridade, de contenção e, infelizmente para muitos, de pobreza e de infelicidade, o que ganhamos nós em remar continuamente contra a maré sem tentarmos, sequer, legar qualquer tipo contributo?

Tenho um amigo, dinâmico por natureza e ambicioso por vocação, que depois de ter estado uns anos a viver fora de Portugal, me disse que não reconhecia nos seus colegas de trabalho a falta de ânimo e o constante discurso derrotista. E a isto dou uma resposta: o pensamento destrutivo, a par das “Cantigas de Mar-Dizer”, primeiro estranha-se e depois entranha-se, e tal como referi no primeiro parágrafo deste texto, é o novo ópio do Povo. E sem querer defender aqui nenhuma dama (já que não sou adepta acérrima de nenhuma convicção política em particular) gostaria apenas de dizer que o verdadeiro mérito está em acrescentar valor e não em arruinar quem está a tentar gerá-lo.

Por tudo isto, meus amigos, para este ano de 2013, o que mais vos desejo são pensamentos críticos e isentos, mas também construtivos, positivos e inovadores!


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