Quando pensava que o Carnaval tinha finalmente acabado, percebi que afinal estava redondamente enganada. Fui nestes dias
surpreendida por uma notícia que me deixou simplesmente atónita! Não é que a
nova geração dos Village People, vulgo, Homens da Luta, vão representar
Portugal nesse que é o grande ícone da reunião familiar e, simultaneamente, da música
popular, isto é, no Festival Eurovisão da Canção?
Sim, esse programa que até aos
anos 90 fazia parar o país e que só de ouvirmos o hino da Eurovisão,
os pêlos dos braços se eriçavam. A excitação era tanta que no momento em que a
Espanha nos dava, por uma questão de fraternidade geo-política, os tão merecidos
(ou não) 12 pontos (o que acontecia sempre), saíamos projectados do sofá, num
ímpeto de surpresa, felicidade e histerismo. E mais, mesmo sabendo que Portugal
dificilmente ficaria entre os 10 primeiros classificados, ficávamos colados ao
televisor (nessa altura assim designado) até ao último telefonema a anunciar a
votação desse país. Bons tempos! Até jantávamos mais cedo e tudo! A primeira memória
que tenho é da Dora, em 1986, com o “Não sejas mau p’ra mim, Uoóóóóó, Uoóóóóó”.
Mas foram tantas as boas recordações… Os Da Vinci fizeram-me obrigar o meu pai
a comprar a cassete e a pô-la a tocar indefinidamente no rádio do carro. Vieram
as Dinas, as Saras Tavares, as Anabelas, as Nuchas (não necessariamente nesta
ordem), sendo que a apoteose ficou a cargo da Dulce Pontes que me fez sentir
por breves momentos o doce, ainda que muito subtil, sabor da vitória, tendo alcançando
apenas um 8º lugar o que, segundo os letrados na matéria, foi uma excelente
classificação! Pfffff… Mentalidade mesmo portuguesinha!
Mas voltando aos “Homens da Luta”,
foi assim, com muita estranheza, que soube que eles participaram neste programa.
Para quem conhece a dupla de humoristas Neto/Falâncio, sabe que de uma forma
quase heróica se servem da sátira para criticar tudo e todos, nos locais mais
inusitados e nos momentos menos oportunos. Utilizando o megafone, guarda-roupa
dos anos 80, música à “Zeca-Afonso”, mensagens de intervenção e muito, mesmo
muito, descaramento, foram entrando sorrateiramente nas nossas casas, conquistando
uma desmesurada popularidade, fundamental para que tenham ganho o referido
concurso nacional. É que os tipos têm a sua piada e é importante reconhecer o
seu valor… enquanto entertainers e apenas isso! Não é fácil terminar os programas
na esquadra mais próxima do local do protesto e mesmo assim sair de lá depois
de dar uma série de autógrafos aos polícias de serviço, que afinal de contas também eram seus fãs incondicionais. E tenho de o dizer
publicamente: SOU FÃ! Agora, no que concerne ao seu potencial festivaleiro… Só
mesmo no “AVANTE!”.
Engane-se quem pensar que a organização do programa não
podia ter feito alguma coisa para evitar todo o mal-estar gerado por este
resultado. Na esperança de tentar encontrar um vazio no regulamento onde este
grupo se tivesse encaixado confortavelmente, descobri que, afinal, se eles ali
estavam foi precisamente porque alguém reconheceu neles um valor meritório capaz
de justificar plenamente a sua presença na final europeia. Segundo o seu art.º
16º “Depois de recebidas todas as
candidaturas, a RTP nomeará um júri composto por três elementos de reconhecido
mérito na área da música que irá avaliar as propostas e escolher entre 20 e 24 canções
que serão colocadas no site www.rtp.pt para
votação online do dia 20 ao dia 27 de Janeiro (até às 24 horas).”.
Pois bem, caríssimos, o júri de “reconhecido mérito” muito provavelmente seria fã
do “quiriquiriquiriquiriqui” e acharia tanta piada aos rapazes que considerou
que o melhor será mesmo fazer também do nosso país uma grande anedota.
Até consigo conceber que a nossa
representação em Düsseldorf celebre a vitória em Portugal com uma garrafa de
cerveja na mão, ignorando as exuberantes apresentadoras de televisão, com os
seus vestidinhos e penteados de gala, agindo como se se tratasse de mais um “Vai
Tudo Abaixo” e trocando “piropos” com as pessoas que os vaiaram no momento do
anúncio da sua vitória. Mas aquilo que me custa mesmo a digerir, é que estes
elementos não tenham noção absolutamente nenhuma de ritmo, musicalidade e
afinação. É certo que este festival nos tem acostumado a padrões
progressivamente insatisfatórios e, volta e meia, lá vão aparecendo umas “personagens”
bestiais, mas não é preciso bater com tanta força com a cabeça no fundo de um poço
cheio de vermes, água contaminada com coliformes fecais e um cheiro nauseabundo
de podridão (ok, agora entusiasmei-me e deixei-me levar, mas quando aparece a
luzinha branca….)! O que supostamente teria começado como mais uma brincadeira
camuflada de grito subversivo, que jamais seria levada a sério por quem quer
que fosse, atingiu na verdade as proporções permitidas única e exclusivamente
pelas altas patentes da organização do concurso, que atribuiu aos portugueses
50% da responsabilidade no acto da decisão do vencedor. Então, meus amigos? Não
seria logo de esperar que uma situação como esta fosse acontecer? Onde está a
surpresa? A minha foi apenas ao saber que tinham conseguido concorrer, porque o mais
espectável seria, no seguimento da actual conjuntura,
aparvalhar toda esta situação e eleger os ilustres camaradas para representar
esta “geração à rasca, pá”.
E com isto conseguimos reforçar ainda mais a imagem já consolidada que os outros povos têm dos portugueses: 40 anos atrasados no seu tempo, parolos e que "falam, falam, falam, mas ninguém os vê a fazer nada". Não se indignem, por isso, todos os quantos apenas vêm portugueses nos filmes "estrangeiros" representando personagens de mulheres gordas com bigode, operários da construção civil, analfabetos, contrabandistas, corrruptos e anarquistas - retrato ultra-impressionista legado por esta pandilha (onde aparecem apenas seis exemplares porque o regulamento é muito rígido a esses respeito).
E com isto conseguimos reforçar ainda mais a imagem já consolidada que os outros povos têm dos portugueses: 40 anos atrasados no seu tempo, parolos e que "falam, falam, falam, mas ninguém os vê a fazer nada". Não se indignem, por isso, todos os quantos apenas vêm portugueses nos filmes "estrangeiros" representando personagens de mulheres gordas com bigode, operários da construção civil, analfabetos, contrabandistas, corrruptos e anarquistas - retrato ultra-impressionista legado por esta pandilha (onde aparecem apenas seis exemplares porque o regulamento é muito rígido a esses respeito).
Deixo aqui o registo do anúncio do vencedor, da respectiva reacção quer dos "Homens da Luta", quer da plateia, e da música que tornará o "Festival da Canção 2011", como provavelmente o mais memorável!
E como diz um grande amigo meu, há tanto tempo que andamos a tentar ser expulsos do festival, que pode ser que consigamos, finalmente, ver agora todos os nossos esforços recompensados!
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