Há um dia em que acordamos de
manhã e, mesmo sem entrarmos no chuveiro, levamos com um balde de água fria que
nos abre os olhos e nos faz revisar todas as nossas prioridades. Este balde
pode bem ser uma metáfora para uma enorme variedade de coisas, sendo que, num
destes dias, em vez de me chover uns grãozinhos doces e alegres de arroz do meu
Céu, abateu-se sobre o meu coração uma tonelada inteira que me feriu, me
enfraqueceu e me fez reflectir sobre uma série de coisas.
A sensação de perda é um
sentimento sempre inóspito e avassalador, independentemente do bem, da pessoa
ou do valor espiritual do qual nos afastamos e da quantidade de vezes que
passamos por essa provação. É simplesmente mau. Sendo uma distraída sem
exemplo, desde tenra idade que perco de tudo um pouco: guarda-chuvas, casacos,
chapéus, canetas, cachecóis, documentos, brincos, óculos de sol e tudo o que,
pela sua portabilidade, seja facilmente esquecido num veículo de transporte
público, numa casa de banho de um centro comercial ou num banco de uma sala de
espera. Por este motivo, nunca fui uma “agarrada” aos bens materiais e fui
aprendendo a lidar muitíssimo bem com o seu desaparecimento. Em contrapartida,
a perda humana, seja ao nível que for, sempre foi encarada por mim como o duro
disfemismo que relaciona essa ausência com praticamente tudo o que gira à minha
volta. E no lugar da pessoa ou do sentimento perdido, consigo imediatamente
projectar outras pessoas, outras situações e outros valores.
Por tudo isto, tenho andado
ausente destas jornadas e a faltar ao meu compromisso particular de tornar a
escrita numa agradável rotina. E, apesar das palavras de motivação e apoio que
fui recebendo, a verdade é que esta foi uma semana de reflexão intensa.
E o que me traz cá hoje é o
“brilho” interno que todos nós temos e que é, simultaneamente, inato e
inconstante. Comparo este brilho à passagem da corrente eléctrica naquelas
aldeias esquecidas pela urbe, onde os fios ainda dançam ao sabor do vento e da
chuva. E a verdade é que, à imagem daquelas lâmpadas amareladas e queimadas
pela passagem do tempo, também nós perdemos parte dessa luminosidade quando o
clima se ameaça feroz.
Quando falo em "perda de
luz" não estou a fazer qualquer associação às gentis marcas da passagem
dos anos, das experiências e dos conhecimentos - não estou a falar das rugas,
nem dos cabelos brancos e muito menos das manchas imprimidas na pele. Refiro-me
sim, literalmente, ao brilho que o nosso rosto irradia! Evidentemente que existem
pessoas que reservam para si próprias as emoções, mais facilmente do que
outras, mas há sempre qualquer coisa que trespassa, que se percebe e que se
sente, sobretudo aos olhos de quem tão bem nos conhece. Aí, eu sou
completamente transparente! Não há sensação que não se consiga conhecer através da chama dos
meus olhos, da tenacidade da minha voz e da expressão das minhas
posturas. Mas momentos há em que esse esplendor perde força e esmorece. Há realidades que vêm ao nosso encontro que embaciam os nossos
olhos, enfraquecem a nossa voz e amolecem o nosso corpo. Com esses factos
sentimo-nos esmagados e apagados, mas com essas vivências (não projectadas, não
prevenidas e, seguramente, não desejadas) crescemos sempre um pouco. Crescemos
e morremos! Dois passos para a frente e um para trás. Faz parte...
Mas isso pertence a uma rotina
viciada e natural que temos de aceitar e com a qual temos de nos conformar, sob
o risco de perdermos mais tempo a negar a confrontação e a realidade do que,
propriamente, a sorver os doces momentos que a vida nos serve.
E, para além dos
acontecimentos, também as pessoas que nos rodeiam controlam a actividade da
nossa boa disposição! É dessas pessoas, que sabiamente manuseiam o botão do
volume do nosso brilho interno, que gosto de me fazer rodear sempre que passo
por um momento mais escuro e mais frio, e são elas que funcionam como o meu antídoto
pessoal, o meu termostato de estimação, e me aquecem e abrilhantam a alma!
Essas são as pessoas que me
acompanham nos bons e nos maus momentos, as que me apoiam quando estou quase a
escorregar e as que me dão a mão quando caio. Essas são as pessoas que me ligam
quando não têm absolutamente nada para me dizer, que me convidam para comer,
mesmo quando só têm pão seco e vinho azedo e que me elogiam mesmo quando não há
motivo para tal gesto. Essas são as pessoas que não se congratulam pelos meus
infortúnios, nem que ficam tristes quando ultrapasso um obstáculo. Essas são
aquelas que não têm medo de pedir desculpa, nem vergonha de dizer obrigado. Essas
pessoas são os meus amigos e são as que merecem receber no dobro aquilo que me
dão, ainda que não esperem essa recompensa.
Porque a amizade é uma
conquista permanente que deve ser cultivada, ainda que por vezes o seja feito
à distância, a todos os meus amigos, obrigada por existirem e por permitirem
que brilhe um pouco mais sempre que estou convosco!
"A ausência é mais adversa
do que a passagem do tempo" - Fernando Pessoa