terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

A insustentável leveza do iPad

Hoje li um artigo que me despertou a atenção pelo título que envergava: “Escola norte-americana substitui livros por iPad”. Bonito! A tecnologia é, realmente, uma coisa absolutamente fantástica! Segundo o autor, as entidades que tomaram esta decisão consideram que os alunos carregam um peso excessivo, daí a necessidade de optarem por uma alternativa ergonomicamente mais adequada. 

Automaticamente, isto fez-me lembrar quando ingressei no 5º Ano. No primeiro dia, como toda a gente sabe (menos eu), nunca há aulas a sério. Era uma 2ª feira e só tinha aulas de tarde: História, Inglês, Matemática, Português e Ciências. Na altura era quase impossível ter os livros todos no início do ano porque as escolas atrasavam-se na emissão da lista de alunos novos, as editoras atrasavam-se na distribuição dos manuais, as papelarias atrasavam-se na sua entrega e nós atrasávamo-nos a ir buscá-los porque enquanto não houvesse livros, não havia TPC (quanta nostalgia ao ouvir este nome…) e as mochilas eram transportadas de forma muito mais confortável (sobretudo quando decidíamos brincar a um jogo muito estúpido em que, sempre que passasse um carro com o nosso número da turma na matrícula, tínhamos que carregar com todas as mochilas do pessoal). Mas voltando ao 1º dia de aulas, como aluna exímia que queria ser, lá fui eu para a escola com os livros... de Educação Musical, Educação Física e Educação Visual e Tecnológica, que normalmente nunca esgotavam porque pouca gente os comprava. Apesar de ter consciência que não me iriam valer de absolutamente nada, considerei que caso me questionassem sobre a minha falta de material facilmente poderia ser desculpada ao dizer que levava todos os livros que tinha, ainda que fossem os das disciplinas que não iria ter nesse dia. 

Mas como “não há mal que sempre dure, nem bem que não se acabe” lá chegou o dia em que tive a colecção completa de livros e, a partir daí, acabavam desculpas. E lá ia eu, nas minhas viagens diárias de 30 minutos a pé, sob o sol e sob a chuva, com calor e com frio, com vento ou com granizo, a carregar com uma mochila com 5 manuais, mais os livros de fichas, mais os cadernos, mais o equipamento de educação física, mais a toalha e as coisas para tomar banho, mais o material para as aulas de desenho, mais o lanche, mais o guarda-chuva, mais um par de meias extra “não vás ficar com os pés molhados com a chuva, filha”… 

Depois mudei de casa e a coisa ficou mais facilitada porque havia o autocarro. Mas não para muito melhor, principalmente quando era hora de ponta e as senhoras da 3ª idade me acompanhavam, ainda que o seu passe não lhes permitisse viajar nesse horário e ainda que pudessem ter escolhido qualquer outra hora para regressar a casa. Insistiam em acordar-me, com um (nada) subtil empurrão, depois de me ter levantado ainda de noite, depois de ter tido um dia totalmente preenchido com actividades curriculares e depois de me ter rendido ao cansaço num banco não reservado do autocarro. E eis que começava a lenga-lenga do costume, proferida com aquele sotaque típico de quem trabalhou muitos anos nas “vendas”: “Estes jovens de hoje, não fazem naaaaada! Passam o dia sem fazer nada na escoooola. Eles têm bom corpo para irem aqui de pé, porque são nooooovos. E eu, coitadiiiiinha, que fui beber um cimbalino à praaaaça, tenho de ir aqui de pé às cambalhoooootas. E ainda por cima andam com estes empecilhos montados nas coooostas que só atrapalham a geeeente, que nem conseguimos vir aqui descansaaaaaados, não vá levarmos com isto na caaaaaara. Deviam ir a pé para caaaaasa porque são nooooovos e assim nós já podíamos vir aqui descansadiiiiiinhos sem que o lanche nos saltasse do paaaaaapo. Da idade deles já vendia muito "xixarro" e não havia “otocarro”. Agora não aguentam nada!”. Bem… Chegava a um ponto que lá lhes dava o lugar só para não as ouvir. Mas isso não bastava porque mesmo depois de sentadas, continuavam insatisfeitas e retomavam a cantoria: “Não fez mais do que a obrigação deeeeela. Onde já se viiiiiiiu… Foi preciso falaaar. Esta canalha de hoje em dia…”. E o remédio era mesmo pegar na mochila, que mais parecia ser de um militar à 6ª feira, e entre encontrões e tropeções, mergulhar o mais possível nas profundezas do autocarro onde aquele discurso se ia desvanecendo com as conversas que se iam sobrepondo. 

ipedra
Em vinte anos como as coisas mudaram. Logo assim, para começar, os computadores eram algo que só faziam parte dos filmes de ficção. Acho mesmo que a minha escola não tinha um único exemplar e só recebi o meu primeiro “chaço” passados quase 5 anos, momento de absoluto arrebatamento. Era usado, tinha apenas 2Mb de RAM e quando comprei uma impressora digna de imprimir os relatórios das aulas de laboratório, simplesmente não tinha capacidade para a instalação do software da máquina. A única contrapartida que tive adveio do facto deste computador ter um sistema operativo tão antigo (Windows 3.1) a que ninguém estava habituado (já se usava só o Windows 95), pelo que fui a aluna melhor classificada de “Introdução às Tecnologias de Informação” – tive o único 20 da turma. Anos mais tarde, quando a utilização do computador era relativamente transversal à sociedade, havia ainda a misteriosa internet. Quando entrei na faculdade a minha aptidão para usar o “http://” era praticamente nula e tive mesmo de pedir ajuda à minha amiga Gisela quando quis quebrar estas barreiras. Mas ainda faltava muito para se atingir o ponto em que hoje estamos e de que fala o mote para este post. Três anos mais tarde comprei o meu primeiro portátil por necessidade, e não devido a um simples impulso consumista. Era uma coisa bonita de se ver porque a grande maioria dos alunos tinha de utilizar os muitos computadores que a faculdade colocava à sua disposição, mas que raras eram as vezes que não estavam ocupados com jogos em rede, o que tirava muita gente do sério. Quando tirei o computador da caixa pensava que vinha com defeito porque não tinha sítio para inserir disquetes (?!). Passado um ano TODA a gente tinha um portátil e quando comecei a trabalhar já havia 3 computadores em minha casa. Os pequenitos do primeiro ciclo já levam o “Magalhães” para a escola, por 50€, mesmo que os professores não os ensinem a tirar o melhor partido do equipamento e amanhã irão de iPad debaixo do braço para terem uma aula de gramática ou de álgebra.

ipod
Não sou contra os velhinhos, nem contra a evolução tecnológica. Mas espero que um dia ainda haja gente que saiba, pelo menos, assinar o seu nome sem utilizar a assinatura digital. E que ainda consiga ir ao supermercado comprar comida congelada sem deslocar um ombro, ou ter uma infecção muscular com o peso da embalagem… Mas, pelo menos, aliviem-se os pais porque nunca mais verão os sofás e as paredes pintadas com marcadores coloridos!


5 comentários:

  1. Eh, pá, adorei... tendo em conta que eu tinha 1,26 m qd entrei no "Ciclo" (sim, que na altura EB 2/3 era p'raí nome de robot ou algo que o valha) e só a minha mochila tinha 50cm, identifiquei-me muito com este texto. Houvera iPad naquele tempo... e provavelmente ter-lo-ia perdido 5 dias depois XD

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  2. Pronto, problema de inspiração resolvido!!
    Tens toda a razão aqui em relação à evolução tecnológica! Uma prova disso é eu, uma miúda da aldeia, estar aqui a comentar este post! :)
    Beijiho

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  3. Por acaso... Espero que inventem um iPad que dê para fazer campismo e rapidamente! O meu afilhado com 6 anos foi acampar e, para caberem todas as coisas que tinha que levar, a mochila dava-lhe pelos joelhos!

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  4. Agora que posso comentar :) quero começar por dar-te os parabéns pelo blog!!! Não conhecia esse teu talento ;)
    Gostei particularmente deste "post", pois, apesar de ter ido à escola noutro país, é bom saber que partilhamos as mesmas recordações no que toca às dores de costas ;)
    Um beijinho linda*
    ClaudiaM

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  5. Este artigo termina muito bem,"um alívio para os pais que têm filhos pequenos.E quanto àqueles pais que já têm filhos crescidos e que tanto passaram nos bancos da escola ?duvido que a actual juventude aguentasse tal a falta que os novos "auxiliares" do estudo lhes fariam.Não haveria sobrevivência possível. Não sei a que propósito mas lembrei-me daquela passagem bíblica onde dizia que os apóstolos "debalde" o procuraram,referindo-se ao desaparecimento do JC,será que houve alguma inundação e morreu alguém afogado?? Jorge Carvalho

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