domingo, 23 de janeiro de 2011

Do you speak brazilian?

Este grãozinho de arroz caiu do meu céu na passada 5ª feira. Engane-se quem achar que isto é uma montagem, porque não o é. Trata-se de um monumento, de seu nome "Broken Chair", e foi construído para sensibilizar as nações para a problemática das minas anti-pessoais. Enverga uma estrutura com 5,5 toneladas de madeira com 12 metros de altura.


Como não podia deixar de ser, esta peça despertou em mim um enorme interesse. Para além de toda a carga humanitária que suporta (o que merece todo meu respeito e consideração), foi fabricada num material muito nobre e extremamente familiar para mim. Mas quando comecei a examinar com cuidado a peça, esta transformou-se na analogia perfeita da situação actual da nossa língua materna, acrescentando a isso o facto de estar cansada de ver a palavra "DIRETO" escrita no canto superior esquerdo da televisão.

Não sou especialista em linguística (nem de longe, nem de perto), mas as alterações promovidas pelo novo acordo ortográfico fazem-me sentir como se estivesse sentada nesta cadeira: sei que, pela forma como foi construída, não irá tombar, mas sinto uma relutância natural em utilizá-la. A perna partida simboliza, para mim, as regras ortográficas que nos acompanharam durante tantos anos e que simplesmente se pulverizaram, alvos também elas de um qualquer engenho explosivo. Foram normas que se sentaram comigo no banco da escola, quando insistia em deixá-las em casa, mas que cedo se tornaram peças fundamentais para a entender como uma língua tão rica, tão completa!

Este novo acordo privilegia a fonética e a unificação da língua, em detrimento da gramática e da semântica, fazendo-nos crer que a chave para o sucesso do intercâmbio entre países lusófonos assenta única e exclusivamente na ortografia. ERRADO! As diferenças são muito mais do que isso. Não adianta nada andar aqui a explodir com as letras, com os hífenes e com os acentos, se o conteúdo permanecer vazio de sentido para os olhos de quem lê, porque cada povo dá o seu próprio valor e significado às palavras.

Não quero dizer que existe português de primeira e português de segunda, mas na minha muito pouco modesta opinião, talvez o melhor remédio para quem considerar que estas regras só existem para perturbar e confundir, seja optar por continuar iletrado e ignorante. Um dia destes, a álgebra básica é excluída da aprendizagem escolar porque todos temos máquinas de calcular de merceeiro, sendo uma total perda de tempo desenvolvermos o nosso raciocínio com exercícios tão inúteis e desnecessários, quando podemos vegetar à frente de um filme de adolescentes e de uma luta livre americana... Francamente!

Sem querer padecer de uma pretensão exageradamente patriótica, já que apresentamos como cartão-de-visita o rendilhado estilo manuelino, o complexo dedilhar da guitarra portuguesa e as intrincadas rendas de bilros, porque é que nos manifestamos tão complacentes no momento de “vender” a riqueza da nossa língua? Por que é que aceitamos um “acordo” que não é, nem pode ser, “acordado” por quem realmente utiliza a língua, como os escritores, os jornalistas e os professores? Porque é que quem manda nestas coisas são os políticos, os académicos e os sociólogos? Porque é que aceitamos esta vingança retardada de um neocolonialismo político, que aniquila de modo tão consentido uma das derradeiras marcas da nossa cultura? Porque é que pisamos estas minas sabendo que nos vão explodir os pés e acabar com a nossa identidade cultural? Melhor seria, de uma vez por todas, “chamar os bois pelos nomes” e começar a vender dicionários de Língua Brasileira! E já agora, porque não começar a chamar às nossas crianças Waldemar e Yolanda? E se até os brasileiros se queixam da inutilidade deste acordo, porquê mantê-lo? Já para não falar dos PALOP que estão a ver este “trem” passar muuuuuito ao lado! Esta é mais uma daquelas coisas que, sinceramente, ultrapassam os meus cabelos loiros…

Para quem tem uma formação como a minha, sabe que o betão tem muito menor resistência sem os varões de aço e que, na realidade, cadeiras de 3 pernas só existem como obras de arte, por isso deixem-me aproveitar até 2015 enquanto estas minas “anti-linguísticas” não acabam com o que resta da minha herança cultural porque, a partir daí, a iletrada sou eu!

1 comentário:

  1. Pois não sei se alguma vez irei escrever de acordo com o novo código... A não ser que comecem a passar contra-ordenações.

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