“Autismo - au.tis.mo masculino - transtorno invasivo do desenvolvimento que compromete as interacções sociais, comunicação e a variedade comportamental do portador.”
Finalmente encontrei a
justificação para a conduta do meu gato. Anteriormente designado por “Sansão, o
Morcão”, cedo começou a revelar uma sintomatologia coerente e reveladora da malfadada
maleita que o impede de acompanhar, literalmente, as pegadas da sua irmã e ser
um gato de apartamento feliz, descontraído e sociável. Dalila, a irrepreensível
anfitriã que acolhe toda e qualquer visita na sua mansão com pulos enérgicos (e
um pouco descontrolados) de modo a receber mimos que cubram a maior parte da
sua área corporal, é o animal perfeito para se ter em casa, se exceptuarmos os
ataques compulsivos de comichão nas patas, aliviadas sempre pelos meus sofás e
cadeiras, já sem pele e com a espuma à vista. Mas nem o contacto com ela, nem o nome com que o baptizámos, fizeram com que a personalidade do coitadito mudasse.
Sansão e Dalila com 1 mês |
O felino é o verdadeiro fenómeno. Senão vejamos. De acordo com a Associação Americana de Autismo, os sintomas de autismo incluem:
1. Distúrbios no ritmo de aparecimentos de
habilidades físicas, sociais e linguísticas.
Confirma-se. Já lá vão dois anos e tal, o que
na idade dos gatos significa… 7x2=14… +7/12x(Setembro, Outubro, Novembro,
Dezembro, Janeiro)… Bem, mais do que a idade do armário, pelo que as desculpas
de uma puberdade retardada não se adequam a este contexto, e no que diz
respeito a este exemplar, as suas habilidades sociais são iguais às de uma
pedra.
Quanto às “habilidade físicas”, há
uma em particular que me apraz bastante: quando vê um desconhecido em casa
(que, basicamente, é todo o ser humano que não eu ou o maridão, mesmo que já lá tenha estado quinhentas vezes)
petrifica. É capaz de ficar horas a fio na mesma posição (às vezes dois ou três dias se a estadia das
visitas se prolongar) e, se tentar pegar nele, faço-o com uma
enorme dificuldade porque parece que pesa o dobro do normal. Não come, não dorme e às vezes parece que desliga o cérebro.
No que diz respeito às suas
habilidades linguísticas, falarei mais à frente.
2. Reacções anormais às sensações. As funções ou áreas mais afectadas
são: visão, audição, tacto, dor, equilíbrio, olfacto, gustação e maneira de
manter o corpo.
Confirma-se também na generalidade.
Momentos houve em que pensamos mesmo que era primo do Stevie Wonder, porque é
preto e não enxergava alguns obstáculos. Mas parece-nos que com o tempo sofreu
significativas melhorias no campo visual (isso ou foi decorando os caminhos de
modo a conseguir desviar-se a tempo).
Parece-me também que tem uma
audição sã apenas para alguns comprimentos de onda porque, quando quero sair de
casa e o chamo para não ficar nos quartos, não me aparece, mas, se logo a
seguir fizer barulho com a porta do frigorífico ou com a embalagem do fiambre, surge
numa correria, mesmo que esteja na ponta oposta da casa e que a televisão
esteja no volume máximo.
Os meus gatos (e aqui também tenho
de falar na Dalila) têm um paladar muito selectivo e estranho até: ou sabem ler
e têm a mania das marcas, ou então são realmente críticos em relação às rações
do supermercado: linhas brancas, “jamé”; Friskies, nem constipados; Wiskas só
misturados com a ração que mais gostam; Purina, vão comendo, mas ao início retorcem os bigodes; mas a Royal Canin chamam-lhe um figo! Para quem não sabe, apresentei
as marcas por ordem crescente de preço, só para terem uma ideia da “chiqueza”
da bicharada. Só não são esquisitos na hora de rapinarem a nossa comida (mas,
ainda assim, em algumas ocasiões encontrei umas espinhas no tapete, por não as
conseguirem aguentar no estômago). Já agora, agradeço muito este "exquisite taste" que permite que a minha casa não tenha uma única mosca ou mosquito!
E se quiser falar na postura, meus
amigos, nem vos conto! Sempre que alguém entra em nossa casa e se aproxima da área
onde ele está, imediatamente encolhe as patas e transforma-se naquilo que será
a variante Basset-Hound (cão salsicha) para gatos, arrastando-se nessa posição
durante vários metros até ao quartinho já mencionado…
3. Fala e linguagem ausentes ou atrasadas.
Check. Quanto à fala e linguagem do
Sansão pouco posso dizer porque são praticamente inexistentes, a não ser quando
vê uma fatia de um qualquer enchido ou uma posta de bacalhau - o que tem a menos no cérebro tem a mais no olfacto. Aí solta um miau
grave e desafinado, imitando um rapaz adolescente quando começa a mudar a voz, revelando a falta de uso do instrumento... vocal. :) Tendo em conta que
os gatos têm o dobro das nossas cordas vocais só posso dizer “Deus dá nozes a
quem não tem dentes”…
4. Relacionamento anormal com os objectos, eventos e pessoas.
Adequa-se totalmente. O meu gato é um ser realmente estranho. Lembram-se
de ter falado na luva que calçava para lhes tocar quando tinham apenas um mês de vida e que utilizei apenas durante alguns dias? Pois muito bem! Ainda hoje não me posso aproximar do meu gato com ela na mão sem que ele vire
as orelhas para trás, encolha as patas e vire pedra, ou desate a fugir.
Esta relação de ódio contemplativo aplica-se na
mesma escala às pessoas que em algum momento lhe puxaram o rabo ou o calcaram, ainda
que sem essa intenção: basta ao meu sogro tocar à campainha que ele imediatamente
desaparece, ainda antes de lhe abrir a porta, sendo apenas vislumbrado um bom
par de horas depois de se ter ido embora.
Mas a excelência do seu autismo revela-se nesta
situação particular. Se é violada a distância que, para o Sansão, lhe reserva a devida
segurança, não hesita em mostrar os seus proeminentes caninos de dois centímetros super
afiados, um "pffffffffffffffffff" ameaçador seguidos de, caso a futura vítima não recue, uma exibição das suas
unhas.
Ora, perante este comportamento, vou para o
veterinário com ele sempre cheia de receio do espectáculo que sua excelência
possa vir a dar. Todavia, não sei se por estar longe do seu território, se por ter
sido submetido a um olhar hipnótico que a nova doutora lhe lançou, desta vez portou-se lindamente – ainda melhor do que a irmã.
A única vantagem deste comportamento atípico para
um gato é na hora de comprar brinquedos. Existem uns ratinhos à venda presos por um
elástico a uma vareta, para que possamos brincar com eles. A nós, basta-nos
comprar um, porque enquanto que a Dalila brinca com o rato, o Sansão não
descansa enquanto não alcança o seu alvo: o fio! Fica possuído a ver o fio no
ar, e entre saltos (o que não é fácil para o gato de quase 6 quilogramas) e patadas, só pára
quando vê o fio no chão, momento em que considera a vítima como abatida.
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Nota Final: Após escrever estes textos, normalmente vou à grande rede procurar umas imagens que ilustrem o conteúdo das minhas frases. Desta vez descobri que existe um estudo que compara o comportamento dos gatos com o dos portadores do Síndrome de Asperger. Fica aqui um vídeo que resume o livro de Kathy Hoopmann:
Adorei!!! O meu partilha alguns traços, mas a ter que diagnosticar-lhe algum distúrbio teria que ser esquizofrenia com transtorno dissociativo de identidade: os sintomas variam desde alucinações (fica minutos a olhar para um ponto da parente sem interesse nenhum) a múltiplas personalidades (anjo num momento, diabo da Tasmânia no outro). Mas é o meu bebé, e é como diz o outro: já não há crianças burras, só com necessidades educativas especiais. ;)
ResponderEliminaros gatos não precisam de olhos para comunicar.
ResponderEliminarO Stevie Wonder (para quem ñ sabe o gatinho cegueta que tenho cá em casa) é um comunicador nato.
Se calhar tens de mandar tirar os olhos ao teu ... lolol... tou a brincar claro!
Nossa! que fofo! O meu tem autismo! mas ele é um amor!
ResponderEliminarOla, aqui no Brasileiro tenho um gatinho que também suspeitava de ser autista, ele não mia, não brinca com brinquedos ou com os irmãos, não aceita que ninguém o pegue, melhorou depois da castração.
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