Depois de um ano de guerra travada com o ginásio, com as dietas e com as calorias guardadas no armário a encolher a nossa roupa, ainda que isso não se tenha concretizado em resultados visíveis a olho nu, eis que chega o momento de fazer reset ao sistema. Só assim será possível angariar a motivação suficiente, aliada a doses massivas de baixa-estima, para retomar todo o processo, logo após o fim das férias.E como é que se consegue esta
proeza em 15 dias? Muito fácil. Para perceberem como, convido-vos a acompanhar-me
durante os próximos minutos, numa viagem de sol, mar e refeições com valor
calórico muito superior ao da DDR (Dose Diária Recomendada).
Tudo começou num belo dia de
manhã em que acordamos e percebemos que temos que enfiar num carro minúsculo
duas malas de viagem gigantescas (cheias de roupa que não sabemos se vamos usar),
uma mochila (com o livro iniciado e não terminado no Verão passado, as 12
últimas edições da National Geographic
e da Engenharia e Vida e uma pasta
com algum trabalho que sei que não irei dar seguimento nas férias), uma mala
com 2 computadores, um guarda-sol, uma cadeira de campismo, um saco de praia
com calçado, um malote com produtos de higiene pessoal (alguns dos quais em
duplicado e triplicado e, ainda assim, faltando o mais básico – o champô), um
par de bicicletas e mais uns quantos sacos cheios de tralha que nem sabemos bem
qual a utilização. Mas, após umas férias onde ficamos restringidos a uma única
mala de 20Kg para cada um, a ressaca tem sobre nós alguns destes efeitos
indesejáveis… Depois de reduzirmos ao máximo possível o índice de vazios da
viatura e de quase termos que respirar fundo e encolher a barriga para lá
cabermos dentro, damos início à nossa jornada, rezando ao Jesus para que a
viagem corra bem. Contudo, sem termos tempo, sequer, para terminar a Avé Maria,
somos interrompidos por um estrondo ensurdecedor e por um puxão que quase
arranca o tejadilho do carro: a passagem das bicicletas não foi autorizada pela
saída da garagem. Meia hora e vinte metros de fita autocolante depois retomamos,
a medo, o nosso trajecto, não sem antes batermos com a
parte de baixo do carro na rampa ao sairmos de casa, dado o peso
excessivo da carga.
1º Episódio: o almoço da viagem
Como se trata do primeiro dia de
férias e ainda se quer dar aquele ar digno de quem não quer deitar logo tudo a
perder no que diz respeito à alimentação, nada melhor do que fazer um desvio de
não-sei-quantos quilómetros para ir comer uma “Sopa da
Pedra” seguida de uma “Carne de Porco à Alentejana” – além de que se prevê dias
seguidos de descomedida gula. Evidentemente que, após o repasto e a sobremesa
típica da região, na defesa da minha moral dietética, solicito ao empregado um
pacotinho de adoçante para pôr no café. Atolada de comida até à garganta,
lá me enfio novamente no carro e é com imensa dificuldade em manter-me acordada
que 100Km depois me apercebo que deixei ficar a máquina fotográfica algures no
restaurante com lotação para 200 pessoas… Valeu-me o facto de ser uma
crente ao acreditar conseguir recuperar o aparelho (e uns amigos que vinham
atrasados) para conseguir dar a esta história um final feliz e evitar um divórcio.
2º Episódio: as
compras
Encher a dispensa para quinze
dias de férias é uma tarefa que normalmente é delegada para a minha metade boa
que o faz com melhor das intenções. Entre iogurtes light e 5 Kg de fruta que irá apodrecer lentamente no cesto, lá
descubro entre os sacos os presuntos, as garrafas de refrigerante, as bolachas
recheadas, as carnes vermelhas e os gelados. Peixinho e legumes, que é bom, nem
vê-los! “Amanhã vamos ao mercado”, diz o maridão. E eu acredito nele até porque
é quem enverga o avental lá em casa e até ao momento não me tem falhado. Olho
para tudo aquilo e penso que irei conseguir resistir e portar-me à altura dos
sacrifícios das últimas semanas, de modo a reservar o espaço para as tão
desejadas bolas com creme. E é então que vejo os vários pacotes de iogurtes
gregos, por que sou absolutamente DOIDA, e percebo que a carne é fraca, sabendo
logo que não irei conseguir resistir a nada daquilo, por muito boa vontade que
tenha.
3º Episódio: o exercício físico
Na altura dos preparativos para
as férias, e como já se verificou noutras alturas, o drama é recorrente e há
sempre alguma coisa que estava dentro da mala que tem de sair para regressar ao
armário. Desta vez foram as sapatilhas e com elas as calças da ginástica, as
meias e as t-shirts. Poupei imenso peso na mala, mas rapidamente o ganhei na
consciência e, posteriormente, nos abdominais e coxas. Sem as sapatilhas não
pude fazer as minhas tão desejadas corridas (que no ano anterior se resumiram a
dois únicos acontecimentos), que me permitiriam compensar as bolas de Berlim, e
o exercício ficou-se apenas pelas caminhadas diárias de 30 minutos na praia, às subidas e descidas da interminável escadaria que nos leva à praia e a algumas curtíssimas
viagens de bicicleta à zona balnear vizinha - mas convenhamos que pedalar de
chinela e de pareo não é assim aquela
coisa, mesmo que se queira muito. Ainda por cima a água está absolutamente
gelada, o sol está absolutamente tórrido e qualquer tentativa de exercício
dentro ou fora de água é absolutamente inegociável.
4º Episódio: os gelados do demónio
Ainda que a intenção seja dar
exclusividade às bolinhas doces, férias não serão, jamais, férias se não forem
aconchegadas com, pelo menos, um gelado diário - principalmente quando vamos
para um local onde são vendidos os nossos gelados favoritos e quando um desses
sítios está localizado precisamente no rés-do-chão do prédio que será a nossa
morada durante duas semanas. Duas bolas de diferentes sabores (uma nos dias em
que se come bolinha com creme), com crepe, com waffle, simples ou em cone, lá vai ficando a nossa alma mais
iluminada no momento em que adquirimos este filho do diabo – e mais carregada
também nas noites mais frias em que sentimos a necessidade de vestir umas
calças e elas parecem ter sido lavadas a quente.
5º Episódio: finalmente as bolinhas com creme
Toda a gente sabe que,
independentemente do nosso peso, das nossas ambições com ele relacionadas e da
nossa capacidade resistente, não é fisicamente possível lutar contra as bolas
de Berlim na praia e sair vencedor. Assim sendo, vai-se de férias logo a saber
que esta é uma guerra perdida e que nem vale a pena guardar a ilusão de que nos
vamos conseguir conter. E quando estamos numa praia onde, de cinco em cinco
minutos, nos aparece um brasileiro com uma t-shirt a dizer “Delícia, delícia”
na parte da frente e “Assim você me mata” atrás, com uma buzina e a gritar bem
alto “Bólinhá com crêmi, bólinhá seim crêmi e crêmi seim bólinhá” então a única
coisa a que vamos conseguir resistir será em comer mais do que uma por dia.
Este ano foi menos mal porque, aparentemente, o creme é proibido nesta praia
(pelo menos para alguns vendedores) sendo que lá foi possível alguma poupança
energética, já que se estava a prescindir do doce amarelo, qual sorriso no bolo
que nos hipnotiza e nos atrai para o seu consumo. E quase que a coisa nem corre
assim tão mal não fosse termos descoberto as melhores bolas de Berlim que já
comemos, vendidas em embalagens de seis unidades, num dos mais conhecidos
supermercados nacionais.
Enfim! Vou embora destas férias,
para não fugir à regra, literalmente de barriguinha cheia de doces recordações
e agora é esperar para ver se esta barriguinha me vai deixar vestir a minha
roupa quando regressar ao trabalho…
Resultado final: Filipa - 0 Férias - 2 (Kg)